O que é o mergulho técnico?

Como educador da área de mergulho, sempre tive em mente que os textos de uma publicação especializada deveriam inspirar ao leitor de forma geral (mergulhadores e não mergulhadores), visto que devemos pensar nas diversas possibilidades de um possível leitor se deparar com um artigo que lhe cative em suas consultas à internet, ou lendo uma revista especializada. Enfim, de quantas oportunidades teremos na simples leitura de um artigo de fazer nascer o interesse pela atividade e mudar a vidas de muitas pessoas (para melhor é claro).

E, no caso específico de um portal sobre mergulho, a responsabilidade é ainda maior, pois estamos, na maior parte do tempo, lidando com leitores que já são mergulhadores. Desde iniciantes até muito experientes.

Depois de refletir um pouco sobre o assunto – por onde começar a escrever sobre o Mergulho Técnico – encontrei a resposta através da lembrança de um antigo ditado que utilizo muito com meus treinandos: “Sempre suba a escada começando pelo primeiro degrau”. Sendo assim, comecemos pelo início.

Exatamente o que é considerado Mergulho Técnico?

A resposta gera muita confusão e, por vezes, até mesmo polêmica nas rodas de amigos. A maioria das pessoas (praticantes ou não da atividade) acaba, por vez, vinculando o Mergulho Técnico somente com atividades em grandes profundidades ou longo períodos de imersão. Talvez pelo fato de que, realmente na maioria das vezes o Mergulho Técnico incorre nestas características. Mas isto não é uma regra, portanto, a resposta não poderia ser tão simplista desta maneira. Mas então, qual seria a melhor definição do que é o mergulho técnico?

O que é o mergulho técnico?

A melhor definição seria afirmar que Mergulho Técnico é aquele realizado com teto, seja este físico ou fisiológico.

Os mergulhos com teto físico seriam aqueles nos quais o retorno do mergulhador à superfície é impedido por alguma restrição física. Tais como penetrações em cavernas, naufrágios ou gelo. Ou seja, é necessário encontrar a saída, que pode ser única em alguns casos, para que se retorne à superfície. Estes mergulhos podem ou não envolver grandes profundidades.

Já os mergulhos com teto fisiológico são aqueles em que, apesar de não haver restrições físicas ao retorno do mergulhador à superfície, são necessárias paradas em determinadas profundidades e por determinados tempos para se reduzir a supersaturação de gases nos tecidos. As chamadas paradas descompressivas. Ou seja, o mergulhador deve permanecer em uma determinada profundidade, cumprindo um tempo devidamente planejado anteriormente através de algum algoritmo, até que possa subir a uma profundidade menor onde é requisitada nova parada e assim sucessivamente.

O que é o mergulho técnico?

Este mergulho, normalmente, mas não obrigatoriamente, envolve grandes profundidades. Isto por que as paradas de descompressão são determinadas pela relação Tempo e Profundidade. Quanto mais profundo e quanto maior o tempo de imersão, mais duradoras e em maior quantidade serão as paradas de descompressão.

O que não significa que um mergulho relativamente raso não necessite dessas paradas. Tudo depende do tempo que se permanece imerso. Ou seja, é factível, por exemplo, que um mergulho há apenas 15 metros de profundidade exija paradas descompressivas, apesar de tal situação ser mais rara.

É possível que o Mergulho Técnico envolva os dois tipos de imersões acima citados. Imagine um mergulhador de caverna que, devido ao período que permaneceu imerso e/ou a profundidade atingida durante a penetração, necessite de paradas de descompressão para chegar à superfície em segurança. Além do teto físico imposto pela caverna, ele também terá que transpor os diversos níveis de teto fisiológicos necessários à sua segurança.

E por onde começar o seu treinamento para o Mergulho Técnico?

Muitas vezes o mergulhador tem o desejo de ingressar no Mergulho Técnico, mas a escolha de que curso fazer dentre tantas opções e siglas, muitas vezes complicadas, geram dúvidas e incertezas da melhor escolha.

É certo que o Mergulho Técnico deve ser um estágio a ser iniciado após o mergulhador ter certa experiência na atividade. Não somente para sentir-se mais confortável sob a água, como também, ao longo de inúmeras imersões, desenvolver os aspectos mental, físico e motor para estar apto a ingressar neste tipo de atividade.

De acordo com o tipo de Mergulho Técnico escolhido as credenciadoras oferecem diversas opções de cursos para o iniciante com pré-requisitos que incluem desde nível de certificação e número de mergulhos e, em alguns casos, avaliação de um instrutor.

Mas com certeza a verdadeira escolha deve ser feita pela afinidade com a atividade. Afinal de contas, todos mergulham para buscar uma satisfação pessoal de prazer e diversão.

O que é o mergulho técnico?

Então, procure, durante seus mergulhos e viagens iniciais, a atividade que mais lhe agrada ou atrai. Pode ser naufrágio, caverna, mergulhos mais profundos, etc. Procure participar de eventos onde são oferecidos a oportunidade de experimentar equipamentos técnicos. Diversas escolas oferecem os denominados “Discoverys Tec” para que mergulhadores recreativos tenham esse primeiro contato, sob a supervisão de um profissional da área, com o Mergulho Técnico. Fique de olho nos eventos tais como feiras e festivais de mergulho. Eles oferecem palestras, clínicas e workshops, na maioria das vezes gratuitos, com profissionais altamente capacitados.

Eu mesmo organizo um evento anual, que já está na sua 12 edição, que reúne diversos profissionais dos mais diversos ramo do mergulho, com o intuito de fomentar o Mergulho Técnico e trazer luz aos esclarecimentos de dúvidas e curiosidades da atividade a fim de eliminar paradigmas e falsos conceitos.

Procure atualizar-se através da leitura de publicações especializadas (revistas, boletins, etc). Existem diversas obras literárias, muitas delas já traduzidas para o português, que relatam fatos reais envolvendo o Mergulho Técnico e que são uma ótima fonte inspiradora, além de diversão garantida para os apaixonados pelo mergulho.

O que é o mergulho técnico?

Se desenvolva dentro do nível recreativo através de cursos de especialidades, tais como: Mergulho Noturno, Mergulho Profundo, Ar Enriquecido (EANx), Sidemount e Naufrágio. Eles serão uma ótima oportunidade de desenvolvimento e fonte de informação para a sua identificação com a modalidade que mais lhe atrai. Não obstante, muitas destas especialidades, são pré-requisitos para a realização de alguns cursos de Mergulho Técnico.

Com todas essas ações você já terá colhido diversas informações que lhe despertarão o interesse por esta ou aquela modalidade. Agora é a hora de começar a entender melhor os diversos cursos oferecidos. Eles podem ter nomenclaturas diferentes entre as credenciadoras, mas, normalmente, tem o mesmo objetivo de treinamento.

Um aspecto interessante é que, se você chegou até o nível de optar por um curso de Mergulho Técnico, é por que já foi “contaminado” pela atividade e é um apaixonado por “fazer bolhas”. Mesmo que a sua escolha possa parecer, a princípio, muito específica, você irá descobrir ao longo do tempo que ela acabará envolvendo treinamentos em outra modalidade que não foi a sua escolha inicial.

Para entender melhor o que estou afirmando vou exemplificar. Suponha que sua primeira paixão e escolha tenha sido o mergulho em naufrágios. Depois de um tempo praticando você irá começar a se interessar por visitar embarcações fantásticas, mas que estão em profundidades onde o uso de misturas gasosas e descompressões são requeridas. Como exemplo, podemos citar alguns: Corvetã Camaquã – 57 m (Recife – PE), Elihu Washburne – 60 m (São Sebastião – SP), Corveta Ipiranga – 60 m (F. Noronha – PE), entre tantos outros. Desta forma, apesar de ser um ótimo mergulhador técnico em naufrágio, você necessitará se especializar em uso de misturas gasosas, tais como TRIMIX (Oxigênio, Hélio e Nitrogênio) para mergulhos profundos e descompressões com Ar Enriquecido ou Oxigênio. Poderá ser necessário o uso de uma roupa seca para se proteger do frio e de seus efeitos fisiológicos.

Ou seja, uma paixão puxa outra. A especialização é constante e dificilmente você acabará por fazer apenas um único curso. Depois de 36 anos como mergulhador e educador, garanto que o aprendizado é eterno e contínuo.

A excelente notícia é que os equipamentos técnicos, devido à forma como foram pensados e suas configurações, são, na maior parte das vezes, compatíveis com diversas modalidades e o investimento acaba sendo único.

Deixando as complicadas siglas de lado, basicamente os cursos oferecidos podem ser escolhidos entre:

Ar Enriquecido (EANx) Avançado – permite o uso EANx com qualquer percentual (o recreativol limita-se a 40% de O2) até Oxigênio puro.

Procedimentos de Descompressão – métodos e procedimentos de mergulhos descompressivos planejados. Muito comum ser ministrado em conjunto com o curso de Ar Enriquecido Avançado.

Mergulhos de Profundidade – são encontrados subdivididos em mais níveis de treinamento (podem chegar a 5 diferentes) que abrangem, não só a profundidade a ser atingida, como composição e quantidade de misturas gasosas utilizadas. São os treinamentos em maior número realizados no Mergulho Técino, pois, muitas vezes, o mergulhador encontra o impedimento da profundidade para alcançar pontos para o qual já tem treinamento, mas pela localização acaba ficando inacessível pelo seu treinamento. As composições das misturas utilizadas se dividem em:

– Hiperóxicas – com mais de 21% de O2
– Normóxicas – com 21% de O2 (pode ser encontrada a variação de 19% a 21%)
– Hipóxicas – menos de 21% de O2

Mergulho em Caverna – normalmente subdividido em três níveis de treinamento. O primeiro permite a penetração na caverna somente até a área onde a luz natural é visível. O segundo nível permite-se penetrações lineares além da zona de iluminação natural. E por fim, o terceiro nível, que permite penetrações nos diversos túneis secundários.

Naufrágio Técnico – mas abrangente do que o curso de Naufrágio Recreativo. Inclui técnicas de penetração com uso de cabo guia, cabo de ligação e uso de duplas de cilindros (opcional).

Circuitos Semi Abertos e Fechados (Rebreathers) – uma das mais novas especialidades do mergulho autônomo. Refere-se ao uso de equipamento que permite, dentre outras vantagens, maior autonomia do gás. De acordo com seu uso (mergulho em caverna, mergulho descompressivo, naufrágio, etc), possui diversas subdivisões de treinamento.

Assim como no mergulho recreativo, partindo da base dos cursos acima citados, várias credenciadoras oferecem especializações dentro do Mergulho Técnico além da profissionalização no ramo educacional. Consulte-nos caso haja dúvidas ou curiosidades específicas sobre treinamentos.

Leia mais artigos sobre o tema “Mergulho Técnico”