Doença Descompressiva: Aspectos Práticos - OceanHub
Doença Descompressiva: Aspectos Práticos

Doença Descompressiva: Aspectos Práticos

Para entendermos o conceito de doença descompressiva e porque ela ocorre é necessário o conceito de saturação do tecido por um gás inerte (neste caso especialmente o nitrogênio). No ar ambiente a saturação do tecido se iguala pressão ambiente, fato este que impede uma saturação adicional deste gás inerte.

Ao mergulhar com cilindro e estando submetido a uma pressão adicional determinada pela profundidade, os tecidos se tornam menos saturados que o gás contido no meio, absorvendo maior quantidade de gás inerte. Este aumento de concentração de gás inerte será cada vez maior conforme o tempo de exposição do mergulhador às diferentes misturas e profundidades que este corpo atinge, ocorrendo aquilo que se chama de saturação do tecido (aumento da concentração acima do limite fisiológico do gás inerte nos diferentes tecidos). Se for reduzida a pressão externa abaixo daquela pressão de saturação do tecido ocorrerá uma supersaturação do tecido orgânico (dentre eles o sangue).

Doença Descompressiva: Aspectos Práticos
Doença Descompressiva: Aspectos Práticos. Foto de John Scott Haldane, fisiologista escocês

Haldane, nos estudos iniciais sobre o tema, determinou que o nitrogênio poderia de forma segura sair de uma condição de saturação nos tecidos (sob forma de pequenas bolhas sem causar alterações orgânicas importantes) se a pressão no tecido não excedesse a do ambiente na proporção de 2:1 (levando em consideração que cada tecido tem seu tempo próprio de eliminação do gás inerte), tendo sido estes estudos aprimorados por diversas fontes de pesquisas e por ele próprio, avançando significativamente e dando origem às diferentes tabelas de descompressão.

Por sua vez, a Lei de Henry determina que a quantidade de um gás inerte que será dissolvido em um líquido em uma determinada temperatura é diretamente proporcional à pressão deste gás em contato com o líquido e sua capacidade de se dissolver nele (coeficiente de solubilidade). Convém neste ponto, salientar o risco adicional de ocorrência do fenômeno de supersaturação em ambientes como o Lago Paranoá, em Brasília, por exemplo, devido à rápida mudança de temperatura a que o corpo se encontra submetido nas mais diversas profundidades devido ao fenômeno conhecido como termoclina (leia outro artigo sobre termoclina), tendo em vista que a supersaturação ocorre principalmente devido à queda da pressão externa ao compartimento saturado e o aumento rápido da temperatura o favorece – neste ambiente ambos estão presentes durante a subida.

Considerando o corpo como sendo formado por diferentes compartimentos, diversos tecidos, cada um possuindo características próprias de contato com o sangue (determinada pela quantidade de vasos sanguíneos) este processo de absorção e eliminação se torna muito complexo e dinâmico podendo estes tecidos serem classificados em:

1) Tecidos de absorção e eliminação rápida: cérebro, medula espinhal, nervos.

2) Tecidos de absorção e eliminação lenta: ossos e gordura corporal.

3) E entre eles, uma gama de tecidos intermediários com meia vida de absorção e eliminação variando entre 5, 10, 20, 40, 80, 120 minutos.

Estudos mais recentes (inclusive com uso de exames de imagem Dopplerfluxometria que possibilitam visualizar a movimentação do sangue e seus diversos componentes) sugerem que a doença descompressiva está diretamente relacionada à formação de bolhas de gás inerte (nitrogênio, hélio ou ambos) na corrente sanguínea, devido ao estado de supersaturação tecidual e seu risco aumenta de forma diretamente proporcional ao tamanho destas bolhas e sua capacidade de formação de êmbolos, provocando secundariamente obstrução na circulação do sangue.

Doença Descompressiva: Aspectos Práticos
Doença Descompressiva: Aspectos Práticos

Evitar a formação e aumento de tamanho destas bolhas de gás está na origem da prevenção da doença descompressiva bem como na base do tratamento a ser realizado (recompressão em câmara).

Estatísticas:

– 1:3.000 a 5.000 mergulhos (variando de acordo com diferentes fontes de estatísticas);
– Em águas mornas tropicais 0-2:10.000 mergulhos;
– Em Mergulho Técnico em água com baixa temperatura a ocorrência pode chegar a 10-12:10.000 mergulhos.

Fatores associados à doença descompressiva:

Fatores exógenos (associados ao mergulho e ao meio)

– Profundidade do Mergulho e Tempo de fundo;
– Velocidade de subida (inclui obediência aos intervalos de descompressão) – orientação 10m/min até a primeira parada descompressiva e 3m/min entre cada parade descompressiva;
– Número de mergulhos realizados e grandeza de profundidade entre eles;
– Obediência aos intervalos de superfície;
– Temperatura da água (maior predisposição em água fria);
– Mistura de gás utilizado;
– Viagem aérea vs tempo após mergulho.

Fatores endógenos (associados ao organismo do mergulhador)

Evitáveis

– Fadiga (realização de exercícios extenuantes);
– Desidratação.

Inerentes ao indivíduo

– Idade;
– Obesidade (o nitrogênio principal gás associado à doença descompressiva possui alta lipossolubilidade);
– Alterações cardíacas como forame oval patente e defeito do septo atrial.

Regra de ouro do socorrista

Em caso de incidentes, das mais diversas causas, inclusive em locais afastados com dificuldade de transporte rápido da vítima é: fazer o melhor com o que se tem em mãos – o que é bem diferente de fazer o que você entende ser o melhor sem a devida técnica ou com o método inadequado.

Doença Descompressiva: Aspectos Práticos
Doença Descompressiva: Aspectos Práticos

Evolução: sinais e sintomas de doença descompressiva

O que ocorre no organismo de uma pessoa durante a evolução de uma patologia (seja qual for a etiologia) se apresentam na forma de sinais e sintomas. Os sinais são alterações observadas pelo examinador através dos sentidos ou medições por aparelhos. Sintomas são subjetivos relacionados a queixas apresentadas pelo paciente e podem variar amplamente de acordo com o indivíduo (mas no caso de DD – doença descompressiva) são indicadores de gravidade conforme veremos na tabela abaixo.

Sinal
Sintoma
Presença nos casos de DD (%) Presença como primeira alteração detectável (%)
Dor articular 68 40,6
Parestesias 63,4 27,4
Mal estar 40.8 13,6
Vertigem 19,4 6,1
Fraqueza motora 18,7 3,8
Alterações cutâneas 9,5 3,4
Desconforto muscular 6,5 1,3
Alteração status mental 7,9 1,2
Alteração respiratória 5,6 0,9
Falta de Coordenação 7,9 0,8

Início dos sinais e sintomas de doença descompressiva (US NAVY):

– 42% apresentam alterações dentro da primeira hora;
– 60% dentro das primeiras 3 horas;
– 83% em até 8 horas;
– 98% em até 24 horas;
– Acima de 24 horas até 36 horas pode estar associado a doença descompressiva mas com nexo causal questionável.

Observações Importantes:

1) Sinais e sintomas são fatores preditivos de gravidade: quanto mais intensos e precoces (tempo curto de início após saída da água) maior a gravidade e a possibilidade de complicações para o quadro apresentado.

2) Objetivo primário no tratamento da doença descompressiva: O tratamento deverá ser iniciado o mais breve ao início da apresentação dos sinais e sintomas fator associado a melhor prognóstico nos casos graves.

3) A inalação precoce de O2 pode reduzir efeitos danosos de um eventual retardo no início do tratamento (por exemplo durante o transporte até uma Unidade de Pronto Atendimento ou uma Câmara Hiperbárica).

Modalidades de tratamento:

Para todos os casos está indicado:

– Colocar a vítima em condição de segurança;
– Sempre que possível chamar por Socorro visando rápido transporte a uma Unidade de Atendimento Especializado;
– Manter o paciente em repouso;
– Ambiente ventilado – evitar locais quentes;
– Hidratação oral (ou endovenosa em casos mais severos);
– Inalação de O2 (tratamento inicial padrão) com máscara não reinalante 10-15 litros por minuto fluxo contínuo.

Tratamento específico (padrão ouro):


Doença Descompressiva: Aspectos Práticos

Tratamento com oxigenoterapia em câmara hiperbárica (em casos muito graves que apresentem instabilidade hemodinâmica, alteração importante do nível de consciência, déficit neurológico importante os riscos podem ser maiores que os benefícios para a utilização desta modalidade de tratamento tendo em vista a Equipe Médica não ter acesso rápido ao paciente caso apresente agravamento). Maior indicação para os casos que o paciente apresente sinais ou sintomas neurológicos leves e dor articular.

Tratamento em condições especiais:

Tratamento com riscos elevados que podem ser maiores que os benefícios incluem IWR (tratamento recompressivo na água) que somente podem ser realizados por profissionais altamente treinados, equipamento adequado, utilização de tabelas especiais com tempos descompressivos bem estabelecidos (destinado somente para situações especiais, bem indicadas, nas quais não seja possível transporte para tratamento em Câmara Hiperbárica).

Importante:

Bem longe de esgotar o assunto, o presente texto é muito mais a apresentação de diferentes variáveis que devem ser consideradas e estudadas cuidadosamente para o entendimento do assunto doença descompressiva. Cada tópico merece abordagem individualizada com texto próprio para estudo detalhado o que se justifica por sua enorme complexidade.

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Madson Araújo

Quem é o autor deste artigo?

Madson Araújo é Médico Emergencista, Technical Decompression Diver NAUI e Technical Nitrox Diver NAUI

Leia todos os artigos deste colunista.



1 comentário

  • Carlos Alberto abrunheiro de araujo
    27/04/2020

    Tema super importante, gostaria de aprofundar bastante no assunto.

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